Uma crónica de Antero Afonso, sobre a obra "Coisas do Arco da Ovelha" do autor João Habitualmente, publicada na página da "Católica Porto Educação".
Fazer filhos, por amor
Antero Afonso
“A situação é desesperada,
mas a solução desesperadamente simples”
Paul Watzlawick
Durante quatro dos meus vinte e dois dias de férias, passei oito anos em casa de José Luís Fernandes (JLF), um psicólogo de quem sou próximo e que, às vezes, também se recorda de mim. Efetivamente, em agosto de 2014 vivi oito, quase nove anos – entre 2005 e 2013 – numa casa que não era a minha, num espaço que não era o meu, participando no crescimento dos filhos de JLF, o Luís e o Miguel, usufruindo da companhia da Isabel, sua mulher, quando ela não ia às aulas de hidromassagem, que tanto aprecia.
Volta meia volta dava conta de estar a usufruir da ubiquidade, com um pé no Alentejo, onde passava férias e outro em Gaia, na casa do JLF, ora em 2014, ora em 2005, ora nos anos adiante.
Parecem coisas do arco-da-velha, mas são do arco da ovelha, nome com que JLF batizou o seu mais recente livro, substituindo a velha pela ovelha por muitas razões e, seguramente, pelo facto de já ter mandado as velhas para lugares bem «inóspitos» quando era mais novo, num poema (Apocalipse) que não vem agora ao caso.
Neste «diário, o humor desconexo de JLF, tal como o seu pensamento, vai contagiando a prole e os seus leitores. A Isabel mantém-se à margem, numa afirmação de prudência sábia, que o marido confunde com sensualidade e talvez tenha razão.
Não se trata de uma obra de fôlego da literatura portuguesa, nem tem tal pretensão. É um livro a cuja leitura não se consegue ficar indiferente: o ritual de deitar os filhos, o universo de interrogações que os miúdos suscitam, os apartes com que pai e filhos contextualizam as interrogações em torno do crescimento, a simplicidade, as teias com que se valoriza o espaço familiar, o orgulho nas pequenas conquista do quotidiano, o envolvimento e a cumplicidade no combate ao medo, a imensa ternura com que trabalham as palavras são tão significativos que superam qualquer argumento cliché de qualquer economista do tipo “os filhos são um bom retorno para o investimento”
Durante a leitura uma sensação de bem-estar flutua à superfície dos olhos e há uma voz permanente “é bom ter filhos” que se instala algures no cérebro, sempre que o pai ajuda um filho a crescer, sempre que um filho ajuda o pai a ressocializar-se, sempre que a mãe assegura que uns e outros possam prosseguir o caminho que é de todos, sempre que há uma referência às gerações dos avós.
Lembrei-me, várias vezes, de um outro amigo, envolvido na problemática da quebra da natalidade, e de sugerir-lhe estas “Coisas do Arco da Ovelha”, como um “manual para pais com receio de procriar”, porque há palavras que valem mais do que mil argumentos. Palavras que nos percorrem com a tranquilidade inquieta das coisas boas, palavras órfãs de crise e de economia, palavras a deslizarem no escorregão dos afetos e da felicidade.
Saí do livro como se tivesse terminado as férias na casa de campo de minha avó. Saí com a nostalgia de abandonar um espaço a que não teria retorno. Saí com vontade de fazer filhos, não apenas pelo durante, enquanto os fazemos, mas pelo após, quando crescemos com eles.
Foi quando voltei à minha família e mergulhei, com alegria redobrada, nas fímbrias que conduzem a nossa felicidade.
Católica Porto EducaçãoInformação sobre Desenvolvimento Profissional e Organizacional, promoção do sucesso escolar, autorregulação e melhoria da ação educativa.